Um padrão de sustentabilidade de ponta a ponta pode mudar de moda?
Uma nova versão do conceituado processo de certificação Cradle to Cradle tenta ser o primeiro padrão de sustentabilidade ponta-a-ponta abrangendo todo o ciclo de vida de um produto, da matéria-prima ao fim da vida útil, com um nível de detalhes para garantir que os esforços de cada estágio estão além do superficial.
Enquanto a maioria das outras certificações focam apenas em um aspecto específico da produção, como o uso de materiais orgânicos ou redução dos impactos tóxicos no abastecimento de água, Cradle to Cradle afirma que seu padrão de certificação é “o mais abrangente” para empresas que trabalham em prol da sustentabilidade. Marcas desde Tentree a Ralph Lauren o utilizam. O grupo diz que existe potencial para impulsionar uma transformação em larga escala na cadeia de suprimentos.
Uma única certificação de sustentabilidade abrangente, que tenha a confiança dos cientistas e do público, pode ser um ganho para uma indústria que carece de diretrizes confiáveis para reformar a produção. Certificações de terceiros muitas vezes selecionam as questões, o que prejudica a meta das marcas de se tornarem completamente sustentáveis, segundo especialistas. Uma solução de ciclo de vida manteria as empresas na linha em cada etapa da cadeia de suprimentos, criando um novo nível de transparência no comprometimento sustentável. Mas alguns especialistas argumentam que Cradle to Cradle ainda é insuficiente, afirmando que não se aprofunda nos materiais sintéticos, ou que não abordam as questões subjacentes como superprodução que perpetuam o impacto na moda.
“Todas essas certificações promovem mudanças nos produtos e são portanto nocivas, uma vez que geram a ilusão de que estão ocorrendo progressos”, afirma Lynda Grose, docente de design de moda na Universidade de Arte da Califórnia e co-fundadora do Concerned Reserarchers in Fashion. “O modelo de negócio é totalmente dependente de um crescimento exponencial e as melhorias dos produtos não conseguem acompanhar o crescimento.”
As grandes mudanças do Cradle to Cradle é a nova versão da sua certificação com foco no produto circular e na igualdade social, afirma Christina Raab, vice-presidente de estratégia e desenvolvimento. Também existem atualizações em toda a estrutura direcionada aos problemas que são frequentemente esquecidos pelos outros sistemas de certificação e pela moda em geral. Ele leva em consideração a saúde do solo, por exemplo – não apenas a fonte de matéria-prima, uma área que começou a ganhar força na moda e também nas operações industriais, levando em conta aspectos como o impacto do descarte de água residuais no solo.
Também requer uma mudança no modelo de negócio circular (Cradle to Cradle trabalha em parceria com a fundação Ellen MacArthur nesse objetivo), encorajando as marcas a lançarem sistemas de logística reversa ou olharem para outras formas de reduzir o uso de novos recursos e geração de desperdício.
“O X da questão”
Reforçar os critérios que as marcas têm de alcançar antes de receber o selo de sustentável é algo que todos os defensores, e até mesmo muitas marcas, querem ver. Cradle to Cradle criou categorias que vão de Bronze a Platinum, para se referir os diferentes níveis de progresso das marcas. A categoria Platinum atende a critérios mais rigorosos e em “como o futuro de setor deveria ser” afirma Raab e, da mesma forma que a categoria Ouro, só é emitida para marcas que possuem planejamento em vigor. Prata e Bronze, no entanto, representam marcas que estão trabalhando em planos de melhoria.
Permitir a subjetividade no que é considerado sustentável, porém, levanta questões sobre os padrões. Existe uma tensão sobre como e onde fibras sintéticas se encaixam na indústria sustentável, se é que se encaixam, por exemplo. A certificação Cradle to Cradle incentiva, em vários graus – dependendo do nível de certificação, um maior uso de fibras recicladas, e seu lançamento também reforçou o critério para lidar com a poluição gerada por microfibras. “Os fabricantes de produtos (com alto risco de poluição de microfibras e microplásticos) terão que se comprometer em ter políticas de tratamento, criar uma política sobre o problema e desenvolver uma estratégia para abordá-la e relatar o progresso feito”, disse Raab.
Para os defensores focados no meio ambiente, mesmo esse é um padrão muito baixo. “A meu ver, precisamos de planos mais explícitos para retirar de circulação todos os plásticos que não são biodegradáveis em uma escala de tempo relativamente curta, como por exemplo, daqui 10 a 15 anos,” afirma Timo Rissanen, professor de moda e design na Universidade de Tecnologia de Sidney e membro fundador da Union of Concerned Researchers in Fashion.
Talvez as maiores questões surjam no papel das certificações de forma mais ampla. A acessibilidade é uma questão frequente, pois o sistema contempla aqueles que podem se inscrever para obter uma certificação, afirma Rissanen, enquanto outros afirmam que as certificações têm foco em aspectos errados de sustentabilidade.
“Medir as melhorias da cadeia de suprimentos nos mantém fazendo a coisa errada”, afirma Grose. “Acredito que a principal questão é: a certificação do produto move o ponteiro na redução do impacto global e alcança ganhos ecológicos reais? E eu acho que podemos dizer com certeza que a resposta é não”.
Raab reconhece que isso é um problema – e algo que eles estão tentando avaliar enquanto trabalham para melhorar no que podem.
“Queremos ter certeza de que o que estamos apresentando está pronto para uma economia circular. É a nossa maior contribuição”, afirma. “Sinceramente, isso é algo que também estamos nos questionando e o papel que podemos desempenhar nisso.”
Fonte: Vogue Business